7.06.2011

Horas abertas



Batem horas curvadas cheias de figos
É tempo de nascer numa boca seca
Comer sem fome caminhos tortuosos
Lamber a terra até te encontrar no grão
Ah amor é na mísera procura que me sabes
A uma laranja de sumo a arder ao sol
Degolei todos os Invernos despidos
Escarrei nos dias submissos que em arrastam
Escrevi a felicidade numa pedra de gelo
Mas com caracteres de ferro em fogo
Amo-te tanto que quebrei o aço dos braços da terra
E os telhados são cardumes de peixes no estômago
Finquei os olhos nas ventoinhas inertes dos montes
E a minha voz limpou as névoas com o teu nome
Não acho que a vida é para engelhar num bolso
A minha língua pinga no mel dos figos
Acendem-se pedras ao esmagar-me os dedos
Não quero que me cubram com guardas-chuva
A vida amassa-se com dedos nos verbos da lama
Eu vou seguir pelo mar no barco de mim mesmo
Foda-se se fizeram greve no porto de Lisboa
Cansei-me de mãos amputadas sem um arranhão
De um charlatão vendendo-me sonhos à porta
Da tinta velha que cobre o céu esfarrapado
Dos olhos impressos nos papeis húmidos das paredes
Que me importa um homem de gravata numa rua
Como quem está pendurado num estendal de roupa
A vontade impressa em passaportes caducos
Duas nuvens dar-me-ão os braços sem carne
Até que os teus seios me queimem com amor a boca
Nem que uma flor pense com força eu e tu de mãos dadas
Sobre burilares de ondas ao som vermelho das línguas
Timbradas na espuma de seda que desfaz entre os dentes
Onde o teu vestido se solta em alvoradas de azuis!


Manuel Feliciano