7.16.2011

O mar visto da cadeia



o mar é largo
e profundo.
tão largo e profundo,
que cabe todo inteiro
e amargo, no fundo
do simples olhar que lhe deito...

estendido e liso,
refeito como um ventre de mulher
apetecido sem aviso,
já teve sereias e monstros,
ossos a apodrecer,
para ser, agora,
de um qualquer...

desecanto a apodrecer-
-me o canto, nesta hora?
- só se for nas areias
onde morro monótono,
e nas marés-cheias
de tanto luar e espanto
na memória...

já o tive
insatisfeito,
na cova da mão,
no búzio dos ouvidos,
e no sonho que ainda vivo
de uma doce ilusão...

inventei-lhe
desaparecidos ecos,
talvez reinos perdidos,
tesouros, conchas,
algas e palácios
encantados de mouros...

depois ficou só o mar
vulgar, indigesto,
azul, verde, prateado,
"grande, grande...",
com o resto afogado
no coração...

chegou então a hora
do mar lúcido
sem papão,
apreendido,
económico,
assassino, embora,mas também elo de ligação...


António Cardoso
Angola