5.08.2008


De onde vem esse primeiro impulso que irrompe no vazio
e é já uma palavra irrecusável e talvez a possibilidade de ser?
Estou diante da página sem urgência e todavia expectante
no interior de uma concavidade vazia que se projecta sobre a folha branca
Tenho a consciência de que todas as frases serão vãs e arbitrárias
completamente separadas do que se passa à minha volta
completamente alheias ao que elas visam
e alheias até a si próprias porque o real está do outro lado
ou não está em nenhum lado ou nelas está apenas como uma fuga a si mesmo
E no entanto o poema irrompe porque o seu desejo de ser é irreprimível
e talvez seja o ser mesmo de um ser nada
que desponta para encontrar a duração visível e o claro espaço
de uma nomeação que una o que em si mesmo está separado e de si se separa
e assim construa a ficção da unidade em que somos o ser em construção sobre o solo do mundo

António Ramos Rosa