9.28.2009

Agora escrevo-te meu amor


agora escrevo-te meu amor
e permaneço pássaro fugido
vigiando os teus medos se anoitece
os teus fantasmas franjados de queixume

atravesso as paredes com lâminas nos dedos
para chamar-te minha

nesta paisagem húmida
de lama cimento e vazio
arrasto as minhas horas
cilícios como espadas
de afiados gumes
e percorro as ruas
temendo-te livre
(o corpo farto de não saber
onde encostar-se e pernoitar
até onde ir para matar tanto tempo)

as meias-noites
passo-as a forjar no meu esconderijo

estes nervosos enigmas
com meu rosto no espelho
com meus olhos de vidro

e trago-te amarrada
por um caminho seco
por onde ninguém passa

aí é que te mato
para que sejas minha
e confias-me os pulsos
o corpo quente
de gazela ofegante
presa na armadilha

depois que fazer da distância
ou desta falta de jeito
para estar só
que fazer ainda dos teus braços
caídos na partida?

apago o último cigarro
e encosto-me
ocupado que estou
com a vigília


Lourenço de Carvalho
Moçambique