8.02.2009

Liberdade



Hoje obrigo-me a qualquer coisa mais
que seria indefinida se a dissesse textualmente.
Por isso pode parecer que jogo com palavras
quando apenas as quero escrever doutra maneira
repensadas com o coração sobre o lume delas.
Desprendo-me de mim como no acto conjunto
do parto em que a mulher toda se dói
e o filho lança o grito de vida para o mundo.
Descubro a nossa terra inteira que circundo
devolvida à luz natural independente da meteorologia
eu urgente milionésimo corpo integrado
de súbito sem idade a semear pão comum.
A cada companheiro respirando pergunto
que génese nos une o sangue e os músculos
e milhares de olhos respondem liberdade
de nos pertencermos trabalhadores iguais
compondo canções ao ritmo da ferramenta
aquela qualquer coisa que hoje me obriga mais
e seria indefinida se a dissesse textualmente
no silêncio das noites que o poeta já não inventa
e antecipam madrugadas fraternais sem disfarce
onde a burguesia dorme ainda comodidade
com as persianas hermeticamente fechadas
e o rádio portátil na mesinha de cabeceira
para ouvir o primeiro serviço de notícias sul-africano
confortáveis ao estômago-memória pelo resto
da manhã que sempre lhes foi tempo descansado.

Orlando Mendes,
País emerso, caderno 2, 1976