7.06.2008


Minha Ilha


Nos paralelipípedos das mais antigas infâncias
dei também meus passos balbuciantes e seguintes.
Todos os dias pés sem idade acorrentados
trituravam o salitre poeirado pelo vento ĺndico
e a cortiça nua das solas e dos dedos
fazia o périplo da ilha sobre corais
onde no palácio o governador-geral mandava despachos
que a corte recebia incrustada de pedrarias
nas entranhas digerindo riquezas carnais.
E o salitre vinha e ardiam os pés das gerações
e nos pátios dos prédios senhoris floridos
se construíam novos lares de oriunda linhagem.
Por ali estiveram Camões das amarguras itinerantes
e Gonzaga da Inconfidência no desterro em lado oposto.
Era a rota dos gemidos e das raivas putrefactas
e dos partos que haviam de povoar as américas
com braços marcados a ferro nas lavras e colheitas.
Ruiram paredes grossas chegaram outras naus
morreram marinheiros por ordem soberana de el-rei
e obediência de seus filhos sem coroa fixando preços.
Agachavam-se as sombras com a passagem dos rickshaws
na ponta da ilha farinha não levedava pão mas fezes
e o sono evadia-se dos ossos para o metrónomo da noite
Em frente na costa que orla o interior
nascia o poeta e guerrilheiro Kalungano
que disparando balas cantaria para nós
o amor e as flores do dia de hoje litoral
em que a ilha se liga ao continente por uma ponte
e os barcos à vela macuas são donos do mar


Orlando Mendes