7.21.2008

A voz do pedreiro



O basalto é uma ave negra de silêncio
é uma ave que anoiteceu num sono inextinguível

No meu gesto ergo o símbolo um martelo suspenso
e num ápice rasgo o manto das horas descansadas
assim inicio o ciclo das manhãs operárias

Do ventre das rochas que fecundo nascem
casas cadeias e palácios
que da pedra conhecida
meus olhos depois desconhecem
mas da pedra que semeio o que colhi?

a minha casa de madeira e vento
o meu bairro escuro sossobrado no sono de caniço

Vai sendo a pedra esculpida pelo homem
pedra alada
Vai sendo o homem esculpido pela pedra
mão petrificada

Dizes-me: és o operário dos pássaros congelados
eu amo-te como se ainda esculpisse
como se nos meus braços
viajasse ainda um martelo suspenso
o gesto com que inicio a madrugada
como se fosse ternura
esta desajeitada forma
com que te desfolho
como se fosse o meu corpo
um domingo derramado
na cidade inquieta do teu corpo

Vai-se o homem trocando pela pedra
em cada pedra maus suada
ucircula agora
o nosso sangue proletário

E construtor anónimo de cidades
construtor destas mãos
que se vestem de poeira e rugas
produtor de cidades
onde o meu nome esquecido soterrado
se erguerá do negro corpo de basalto
Eu serei a voz das pedras
Eu serei a voz dos homens no basalto


Mia Couto
Moçambique