10.30.2009

Poemas da chuva



I

Os meus horizontes são fugazes
porque do arco-íris construídos
do escarlate e do azul
lilases se extinguindo
sob os céus da Cidade Velha

Também o vulto de Cristo
crucificado
entre a nudez da palavra
e a inanição da ribeira

II

a palavra.
a morte à cabeceira do sonho:
santiago ou nho nacho

oh! o insondável martírio
do verbo
entre as ervas das ribeiras


III

A bruma
húmida e só
cobre o dia

Um relâmpago
risca rápido
o meu coração

Uma ribeira
corre em catarata
na minha alma

A chuva cai
desvairada
sobre a apodrecida espiga
da minha boca

IV

A hidropisia da cidade
cobriu-se de fuligem

É agora a idade
dos grilos e de outros insectos
hílares como cítaras na noite

V

São deveras memoráveis
estes tempos setembrinos

A chuva
promíscua
dorme
com os políticos
um sono sem pesadelos

VI

Os vegetais
como as éguas
esganiçam
com as primeiras águas

VII

Recolhem-se as baga-bagas
às luzes da noite

Encolhemo-nos nós
mais os gafanhotos
na sombra dos dias


José Luís Hopffer Almada
Cabo Verde